sábado, 4 de abril de 2009

31 de Março de 2009

Esse texto vem com um pouco de atraso, mas ainda é tempo.


Desde a noite do dia 30, a chuva já caía. E 31 amanheceu chuvoso. Amanheceu e entardeceu chuvoso. Em pleno meio-dia, Belém era escuro e sensação de conforto que a chuva trás. Vai ver era isso mesmo: o céu chovia pra confortar a história que mora na cabeça das pessoas. O céu em prantos porque sabia dos prantos de 41 anos atrás. O céu pra nos lembrar do que jamais poderemos esquecer, posto que é o pranto que ecoa no país, é o costume adquirido há 41 anos que perpetua e envereda a política, são os resquícios de algo que hoje seria inconcebível.

A ditadura, mais do que tortura, veio para atrasar. Para calar bocas e fechar mentes. Fomos burros, muitos de nós. Fomos burros ao colaborar com os militares, ao descer o cassetete em cima do estudante, ao obedecer as ordens de uma hierarquia, ao seguir o comando de atirar. E ainda há alguns cegos, que passam despercebidos pela história, sem entender que o passado faz o presente; que ignoram aquele velho papo de "é preciso não esquecer o passado para evitar que os mesmos erros sejam cometidos novamente".

Olhem. O que é o Brasil hoje? Um país cheio de lacunas a serem preenchidas, cheio de manias a serem perdidas, cheio de erros de prioridade. Reparem. Não era à toa que nossos presidentes militares desfilavam com seus óculos escuros. Eles não queriam que as pessoas enxergassem a verdadeira alma do negócio.

É preciso atenção. É preciso cuidado. Somos realmente livres ? A liberdade não existe sem prática. A liberdade não existe se continuamos de bocas caladas. A liberdade não existe se continuamos passivos, como outros foram há 41 anos atrás, não contrariando o golpe que se arquitetava. A voz está entalada em nossas goelas e o pensamento ainda é, muitas vezes, retrógrado. São as heranças que trouxemos de uma repressão. São as mudanças que devemos fazer ao sentir o nó que se dá em nossas vozes quando olhamos as imagens do absurdo.

É preciso lembrar, sim. Lembrar para que não se repita a mesma crueldade, lembrar para que possamos sempre exigir o que é nosso de direito. Mas que essa lembrança não fique apenas em letras de música e conteúdos escolares. Que essa lembrança quebre o silêncio que ainda existe e que passemos a exigir uma democracia de verdade, e não uma democracia transformada em eufemismo. A exercer a liberdade, a quebrar os velhos paradigmas sociais, culturais e políticos. Por que movimentos estudantis e sociais ainda são vistos como ação de arruaceiros? Por que a hegemonia comunicacional ainda está na mão de poucos e poderosos que há quatro décadas ajudaram a maquiar a realidade?

É necessário averiguar. O que sobram são os nomes de ruas, de cidades, escolas. Mas seriam esses os nomes merecedores de lugar em nossa sociedade? São os nomes do desespero movido pela força, são os nomes de heróis que morreram no esquecimento, são os nomes dos que ergueram a voz, pixaram muros, combateram com violência, astúcia e humor. São esses nomes que deveríamos proclamar. Porque são esses os nomes responsáveis pelo ensaio de liberdade que fazemos hoje.

A chuva lava a tristeza e molha pra incomodar e nos lembrar de quem somos nós, os brasileiros.



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